Esse texto é produto de uma reflexão iterativa que vem sendo guiado pelo tema gerador descrito abaixo extraído do livro Geostatistics for Natural Resources Evaluation, de Pierre Goovaerts (1997, p.442) e por leituras sugeridas durante o curso de Modelagem Geoestatística do Ambiente.

Tema Gerador

“[…] beware that uncertainty is not intrinsic to the phenomenon under study: rather it arises from our imperfect knowledge of that phenomenon, it is data-dependent and most importantly model-dependent, that model specifying our prior concept (decisions) about the phenomenon. No model, hence no uncertainty measure, can ever be objective: the point is to accept that limitation and document clearly all aspects of the model.”
Kuhn (1991) definiu paradigmas científicos como realizações cientificas reconhecidas que, durante algum tempo, de modo mais ou menos explícito, fornecem problemas e orientam o desenvolvimento de pesquisas na busca da solução para os problemas de determinada ciência.  Dentro desse conceito, são criadas técnicas e conceitos compartilhados pela comunidade científica, num determinado momento histórico, e, simultaneamente, um conjunto dos procedimentos consagrados que direcionam a pesquisa. Nesse tipo de visão científica, a pesquisa é realizada com alguns vícios de pensamento, que levam os cientistas de determinada época a permanecer limitado ao que definiram como seu universo de estudo, admitindo somente conclusões que lhe parecem prováveis. Conforme a ciência se desenvolve, o paradigma é adaptado a novas realidades ou um novo paradigma é adotado.
Na ciência do solo, como em outras ciências, diversos paradigmas foram desenvolvidos ao longo do tempo. O mais comum deles provavelmente seja o da relação solo-paisagem, seguindo Hudson (1992) originados nos trabalhos de Dokuchaev (GLINKA, 1927) e Hilgard (JENNY, 1941). O paradigma da relação solo-paisagem nos diz que podemos descrever o solo a partir de modelo determinístico baseados em seus fatores de formação:
S=f(cl,o,r,p,t,\dots)S=f(cl,o,r,p,t,\dots)S=f(cl,o,r,p,t,\dots
em que o solo (S) é função do clima (cl), dos organismos (o) e do relevo (r), agindo sobre o material parental (p) durante um período de tempo (t) e fatores desconhecidos (...).  
Assumimos assim que o solo é o resultado da interação combinatória entre os fatores de formação, a partir de processos pedogenéticos que resultam das condições climáticas, biológicas e topográficas atuais e do material geológico subjacente e também é um produto de como essas condições mudaram ao longo do tempo. Esse modelo é uma declaração genérica que se complementa ao afirmar que os solos são corpos naturais organizados distribuídos de uma maneira previsível em resposta a variação e interação entre os fatores de formação.
Uma vez que, o paradigma da relação solo-paisagem não especifica a natureza das variações, surge uma ampla gama de problemas científicos que passaram a ser objeto de pesquisa na ciência do solo. Motivados pelo fato de um conceito aparentemente simples servir de base para entender e predizer a ocorrência espacial dos solos na paisagem, muitos cientistas foram adeptos. Essas duas características são consideradas por Kuhn (1970) requisitos de um paradigma de sucesso.
Esse modelo de associação solo-paisagem é utilizado para aumentar o entendimento da relação espacial entre a paisagem e os solos. É baseado nesse conceito que os levantamentos de solo são tradicionalmente realizados. Em grande, as classes de solo são reconhecidas na paisagem e os limites entre elas desenhados intuitivamente, baseados em características visuais, sobretudo do relevo. Ao estudar estas relações, a maioria dos cientistas do solo passa por uma mudança conceitual, fazendo com que, após adquirida experiência, seja construído um modelo mental de delimitação e agrupamento da paisagem, chamado de conhecimento tácito.
A aplicação dessa técnica mental de separação da paisagem é dependente da construção desse conhecimento tácito. Essa aplicação é citada como Hudson (1992) como baseados em dois conceitos da percepção humana como críticos para este processo. O primeiro, chamado de conhecimento Gestald, é baseado no pressuposto de que o cientista do solo deve perceber a totalidade do solo para depois construir relações que o permitam separar mentalmente a paisagem tal qual a separação faça sentido. O segundo conceito, o de família natural, surge com a necessidade de que as informações de classe de solo sejam agrupadas com base em critérios que parecem familiares.
A forma com que se segue o processo de criação da imagem depois do modelo consolidado, torna impossível ao cientista olhar para uma paisagem sem dividi-la mentalmente em unidades distintas. Somado a isso, muitas vezes quem o faz, não consegue se lembrar de como a paisagem era vista antes da mudança conceitual. Dia após dia e em cenários diferentes, o cientista estabelece relações entre solos e paisagens e os conceitos são internalizados e consolidados. Isso faz com que “pedólogos treinados sejam capazes de delinear unidades de solo na paisagem com acurácia examinando menos de um milésimo do solo abaixo da superfície” (HUDSON, 1992). Esse método empírico de levantamento de solo, cria uma barreira em relação a aprendizagem de novos profissionais, porque poucos cientistas conseguem expressar os conceitos construídos verbalmente, já que as informações foram adquiridas intuitivamente.
Além disso, se os mapas gerados de forma empírica representam de forma gráfica o conhecimento pedológico empregado na sua produção, surgem algumas considerações a respeito de sua eficiência:
i)                    Se o conhecimento tácito à que nos referimos está em constante aprimoramento, sempre haverá alguma distorção entre mapa e realidade, que dependerão de quem o produz.
ii)                   Por depender dessa metodologia empírica, não indicam a confiabilidade e precisão das informações. As interpretações - basicamente qualitativas – muitas vezes não atendem adequadamente as demandadas de diferentes usuários.
iii)                 A disseminação da informação resultante da sua aplicação é perdida, já que a maioria do conhecimento empregado na etapa de produção não é explicitado nos levantamentos.
Hudson (1992) já alertava para a falta de sistematização do conteúdo dos mapas em forma escrita, que faz com que muito do conhecimento solo-paisagem permaneça nos mapas de solos. Esse talvez seja o elo mais fraco dessa abordagem: anos de pesquisa, tempo e recursos investidos ficam de fora da literatura da ciência do solo. Ainda que inicialmente fossem realizados em outros contextos políticos, sociais e tecnológicos, diferentes dos atuais, muitos pedólogos demonstram certa resistência ao discutir essas ineficiências.
Passando sob um ponto de vista mais abrangente, uma infinidade de fatores contribui para o solo estar como está. Existem fenômenos físicos e químicos que governam os processos de formação que são determinísticos. Não há, porém, uma expressão algébrica capaz de descrever o comportamento do solo como fenômeno natural da natureza, dentro da sua complexidade. O nosso conhecimento a respeito dos fenômenos é fragmentado. Por não conhecer a natureza da sua variação, passamos a enxergá-lo como aleatório e, em alguma escala pode ser que a suposição não seja tão diferente da realidade, e essa ignorância torna a suposição determinística do solo incompleta. ((WEBSTER 2000).
Porém, podemos tratar o solo como como realizações de funções aleatórias espacialmente correlacionadas, independentemente da nossa compreensão dos processos pedogenéticos que dão origem a eles(WEBSTER 2000). Assim, cada amostra tomada da população passa a ser assumida como uma única realização de um processo aleatório, dentre os infinitos possíveis valores da população que poderia ser amostrado.
Jenny aderiu o determinismo em seu modelo e considerou que a variância não explicada, devia ser admitida como erro. O problema nesse caso, não é a existência do erro, uma vez que ele sempre está presente quando se trata de estimativas. O problema é ignorar a existência do erro. Muitas vezes essas condições não nos são apresentadas, principalmente nos mapas de classe de solo.
Dentro de um mapa do solo se desejará ver a redução máxima na variância dentro da unidade de mapeamento em comparação com a variância  total da área mapeada:
 s2 =1n−1Σi=1xi(xi − x)2s^2\ =\frac{1}{n-1}\Sigma_{i=1}^{xi}\left(xi\ -\ x\right)^2s2 =n−11Σi=1xi(xi − x)2
Avaliar a variância dos dados nesses caso é  inferir sobre o quão distante cada valor do conjunto de dados está da média.  Assim, ao reduzir suficientemente a variância dentro de uma unidade de mapeamento, faz com que se possa alcançar a chamada pureza de classe.
Como usurários estamos interessados no quão aplicável ou o quão pura a informação da classe é em determinado local, ou assim sendo. Webser e Beckett (1968) afirmam que não importa quão grande seja a redução na variação dentro de uma unidade mapeada em relação à área total, se a variância não for reduzida o bastante, então o mapa não pode ser usado. Do mesmo modo, se a variação na área não for menor que o limite, então o mapa não é necessário. A ideia que apresento agora é que, não basta o conhecimento tácito e a qualidade visual da separação. É preciso avaliar a qualidade da separação do ambiente. O sucesso do mapa é avaliado pela medida em que podem ser feitas afirmações mais precisas sobre o solo dentro das unidades de mapeamento de mapas anteriores ou da paisagem em geral se não houvesse mapas anteriores. A redução da variância dentro das unidade de mapeamento como uma ferramenta para avaliação da qualidade do mapeamento, trazendo o conceito de pureza das classes (WEBSTER 1968). Assim, o usuário medirá o sucesso da pesquisa do solo se as afirmações suficientemente precisas podem ser feitas sobre o solo dentro de cada unidade de mapeamento.
Pensando nisso, a abordagem do levantamento deve se adequar a essas condições e define os métodos e as premissas para o levantamento com base nos objetivos do levantamento. Seja via levantamento convencional ou via krigagem, a amostragem deve ser planejada de modo que os objetivos do levantamento sejam alcançados. Avaliar a qualidade das informações geradas e realizar um reconhecimento ou levantamento prévio para definir o número de amostras adequado ou qual é a melhor abordagem para mapear as classes ou propriedades do solo, considerando a distribuição das variáveis na paisagem (LARK, 2000)
Existe essa demanda dentro da ciência do solo. Conhecer a natureza da variabilidade que estudamos, antes de começar a delimitá-la na paisagem. Acredito que esses pontos precisam ser bem compreendidos. Um modo é tão importante quando o outro, cada um em uma função específica. A abordagem utilizada para realizar um levantamento de solos não será definida como certa ou errada. Dela, se produzirá informações que podem vir a ser úteis ou inúteis para uma finalidade de interesse. Por isso é tão importante conhecer a natureza da variável de interesse.
Imagine a variação da profundidade do solum da paisagem como um fenômeno a ser mapeado em uma escala de 1:2000. Como solução para esse problema pontual a utilização geoestatística, considerando a dependência espacial dos dados é uma abordagem satisfatória. Essa abordagem, considera que o valor de uma variável associado a uma localização, assemelha-se mais aos valores mais próximos dele, em detrimento do resto do conjunto amostral. Agora imagine que a área em questão possui variações geológicas abruptas na paisagem, com uma frequência significativa de afloramentos rochosos, ou seja, existe uma grande variação em distâncias curtas. Passamos a nos referir a um fenômeno cujos limites são abruptos. Nesse cenário, a abordagem geoestatística pode ser ineficaz, pela incapacidade de prever estes limites em relação à escala, dentro da fronteira estabelecida pelo conjunto de dados.
O pesquisador de solo experiente geralmente poderá avaliar a qualidade do seu mapa e se é adequado. Mas a confiança dele pode não ser compartilhada pelo usuário potencial. O ideal seria que ele pudesse dar uma ideia clara do grau do que o seu mapa representa, enquanto o usuário receberá um produto com o nível de informação adequado para fins de predição. Isto proporcionaria um ganho em informações disponíveis para outros usos, inclusive para mapeamentos mais detalhados.
Até chegar nos dias de hoje a aplicação de modelos matemáticos evoluiu muito ao unir o conhecimento prático do pedólogo com os dados estatísticos e numéricos da pedologia quantitativa. Tornando as informações mais realistas e, portanto, mais eficazes na tomada de decisão. Por fim, a integração entre o conhecimento tácito e os modelos matemáticos na resolução destes problemas poderá ser estimulada, na medida em que, a prática pedagógica da ciência do solo voltar-se para a expressão explicita do paradigma solo-paisagem, com real conceitualização. Para superar essa visão é necessário olhar para o solo de um modo diferente do habitual, livrar-se destes vícios de pensamento e bloqueios que fazem com que os cientistas permaneceram confinados ao que definiram como seu universo de estudo. O grande desafio é colocar esse princípio em prática.