Este breve resumo foi elaborado no âmbito da unidade curricular de Negociação, Avaliação e Elaboração de Candidaturas da Pós-Graduação em Gestão e Políticas de Ciências e Tecnologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A primeira parte do texto de Laudel (Laudel, Grit. «The art of getting funded: how scientists adapt to their funding conditions». Science and Public Policy, 2006, 489–504) foi apresentado aos colegas, por sugestão da Professora Doutora Margarida Trindade, pela Doutora Joana Cruz (até à p. 495) e o restante por mim, na forma apresentada infra.
Algumas estratégias utilizadas pelos cientistas para se adaptarem ao ambiente de investigação são agora classificadas. A prática de investigação dos cientistas está “impregnada” por um “fluxo de escolhas” que ultrapassa mas inclui as decisões sobre o financiamento. Laudel analisa-as atentando às decisões tomadas no que diz respeito ao conteúdo da investigação.
Segundo Laudel, algumas destas escolhas podem ser classificadas como estratégicas, pois determinam o curso da produção de conhecimento a médio prazo. Tais estratégias englobam escolhas sobre os problemas, os objetos/resultados e os métodos de investigação, assim como decisões em matéria de comunicação e colaboração, sendo direcionadas para aumentar a probabilidade de conseguir financiamento. Algumas estratégias são orientadas para a fonte de financiamento, e outras para o teor das investigações.
Quanto a estratégias orientadas para as fontes de financiamento, Laudel distingue três tipos: apontar para fontes ‘fáceis’; apontar para ‘todas’ as fontes; e apontar para fontes ‘apropriadas’. Alguns padrões de ação que vários cientistas adotaram são, também, considerados por Laudel, nomeadamente: comercialização de resultados de investigação; transferência ilegítima de fundos de uns projetos para os outros (bootlegging); ir à boleia/parasitismo (free-/power-riding); e venda de serviços (ex: medições).
Quanto a estratégias orientadas para o teor das propostas, Laudel distingue: adaptação a parceiros com fins lucrativos; esquivar-se de investigação que comporte riscos; esquivar-se de temas ‘quentes’/polémicos; optar por tópicos pré-determinados, seja do topo para a base, seja da base para o topo, seja por questões de viabilidade metodológica, ou por conta dos interesses das outras partes envolvidas.
Por isso, conclui Laudel, os cientistas adaptam as suas propostas de forma mais ou menos radical com o fim de conseguirem financiamento, e tais adaptações nem sempre são entendidas como algo negativo, pois pode ocorrer que não se esquivem completamente dos seus interesses de investigação e se deparem com novas oportunidades para colaboração, como no caso de redes de investigação.
Quanto aos efeitos que tais adaptações produzem na investigação, Laudel destaca a diversificação da investigação, o que inclui o surgimento de tópicos e resultados que, não fosse a aplicação de tais estratégias, não seriam programados.
Em seguida, são identificados alguns aspetos relativos ao impacto do emprego de tais estratégias na produção individual do conhecimento: o desaparecimento da investigação de progressão lenta; a transição para a investigação aplicada; a dificuldade em inovar na investigação; o decréscimo da qualidade; e mudanças no caráter experimental/teórico da investigação.
Tudo isto foi baseado em entrevistas que Laudel conduziu com cientistas ‘normais’ e cientistas ‘de topo’ que atuam na Alemanha e na Austrália, se bem que cientistas britânicos, o ecossistema científico da U.E. e dos E.U.A. também são referidos. Assim, percebe-se que Laudel discuta a credibilidade dos resultados que obteve. Contudo, afirma ter tido isso em conta desde o ponto de partida, pelo que dirigiu as entrevistas de modo a poder desconstruir “racionalizações retrospetivas superficiais”. No fim, excluiu testemunhos para os quais não conseguiu fornecer uma interpretação livre de ambiguidade.
Laudel crê que os testemunhos que teve em conta são credíveis, e alega que, caso assim não fosse, seria de esperar que não houvesse tanta concordância entre as respostas de cientistas ‘normais’ e cientistas ‘de topo’, apesar de que há diferenças, como por exemplo ao nível do grau de disponibilidade para a adaptação dos projetos levada a cabo por ambos os grupos de cientistas quando procuram financiamento. Além do mais, afirma que, do ponto de vista empírico, há tantas razões (ou tanta falta delas) para acreditarmos que os cientistas foram sinceros quanto para que acreditemos que não o foram.
Um dos grandes problemas que Laudel identificou, mormente na Austrália, foi o facto de que os cientistas dependem demasiadamente de uma só fonte de financiamento. As condições de obtenção de financiamento, sob a perspetiva de Laudel, levam a que as investigações arriscadas, as que fogem às modas, e as que implicam abordagens interdisciplinares são dificultadas.
Laudel também refere que muito fica por fazer, lembrando que as categorias utilizadas para descrever as propriedades dos conteúdos da investigação científica são ainda demasiado confusos para que permitam captar diferenças subtis. Tal não impediu a autora de vislumbrar o facto de que as condições de obtenção de financiamento não obstaculizam todo o tipo de investigação a longo prazo, mas sim aquela que não produz resultados dentro dos prazos dos projetos individuais.
De notar, também, é que a agilidade e flexibilidade que se exige aos cientistas na hora de projetarem o seu trabalho não corresponde a uma semelhante flexibilidade e agilidade na investigação propriamente dita. Muito pelo contrário, acabando a qualidade e o caráter inovador dos projetos por sair prejudicados.
Mas a que se deverão todos estes constrangimentos? Segundo a autora, a comunidade científica tem sempre que agir sob condições em que os recursos são limitados, pelo que os membros são orientados para a seleção de tópicos e a conceção de projetos que a comunidade em geral considera necessários. É para isso, lembra Laudel, que existe a revisão por pares, que serve para ajustar as perspetivas de investigadores individuais àquelas da comunidade científica como um todo, tal como para que os projetos financiados sejam aqueles que pareçam mais promissores na ótica dos pares e que não impliquem aventuras como a de financiar um cientista para que trabalhe numa área que não é a da sua competência.
Apesar de tais restrições parecerem bastante razoáveis, Laudel lembra que os grandes saltos na história da ciência parecem ter resultado de esforços mais ou menos fortuitos levados a cabo sob condições de extrema incerteza. Por isso, considera a autora que forçar os cientistas a adaptarem-se às modas leva a que posições heterodoxas sejam desconsideradas, estas que têm tido uma importância decisiva para o progresso da ciência.
A autora diz que a autonomia dos cientistas, tidos individualmente, é posta em perigo não pelo estado, as forças armadas, ou os mercados, mas pela própria comunidade científica. Tal parece-nos uma visão simplista e, ademais, parcialmente falsa, pois se é à comunidade científica que é dado gerir os fundos e a sua distribuição, não depende, geralmente, dessa comunidade a quantidade de fundos a distribuir, tal como, muitas vezes, o estabelecimento de objetivos para a investigação.
Já o dissemos: Laudel partiu de um conjunto de entrevistas para escrever este artigo. Se tal metodologia acarreta limitações, não deixou a autora de reconhecê-lo: sendo a adaptação dos projetos às necessidades de financiamento um processo gradual, os cientistas não estão, muitas vezes, conscientes de tais comportamentos, e tampouco do impacto dos mesmos na produção de conhecimento.
Assim, sugere a autora apenas ter sondado a ponta do iceberg, tanto mais que os processos subconscientes de adaptação não podem ser estudados única e exclusivamente com recurso a entrevistas, e mesmo os processos que podem ser descritos desse modo devem ser tidos em conta com o maior cuidado.
Assim, concluiu Laudel que as condições atuais de financiamento levam a que a investigação, vergada à competitividade, se limite a projetos de baixo risco, convencionais, baratos, de caráter aplicado e inflexível.
Confirmou a autora, com este estudo, que é possível pensar as estratégias adaptativas adotadas pela comunidade científica na busca por financiamento, e que tal é passível de ser feito em geral, isto é, para além dos sistemas de financiamento particulares e independentemente de se tratarem de cientistas ‘normais’ ou ‘de topo’.
Para além disso, este estudo permitiu a Laudel corroborar a ideia de que financiamento externo já não serve apenas para o estabelecimento de novas linhas de investigação; que tal financiamento desempenha uma função que já não se limita a permitir investigações extra, mas a investigação em geral; e que as idiossincrasias dos ambientes nacionais de investigação são colocados em cheque perante uma estandardização das políticas nacionais de ciência, o que leva a que os tipos de investigação (des)favorecidos sejam mais ou menos os mesmos por toda a parte.
Tudo isto leva, remata a autora, a que projetos nos quais se procuram novas relações entre campos do saber, projetos espontâneos, criativos, de caráter inovador e interdisciplinar, projetos cujos resultados sejam difíceis de prever, tal como a liberdade dos investigadores para se lançarem em novas empreitadas, se tornem “espécies em vias de extinção” no ecossistema científico.