Curvas e Trajetórias em \(\mathbb{R}^3\)

Uma curva é uma relação entre um intervalo fechado da reta real e o espaço euclidiano:\[\gamma:I=\left[t_0,t\right]\subset\mathbb{R}\rightarrow \mathbb{R}^3.\]Portanto, um subconjunto de números reais, que constitui o domínio da curva, é relacionado a um conjunto de pontos, o conjunto imagem de \(\gamma\), do espaço euclidiano, que constutui seu contra-domínio.
Aqui, vamos diferenciar o conceito de curva e de trajetória. Uma trajetória é composta pelo conjunto imagem da curva e é denotada por um conjunto de equações \(\mathbf{x}=\mathbf{x}(t)\), ou\[\mathbf{x}=\left(\begin{array}{c} x_1\left(t\right)\\ x_2\left(t\right)\\ x_3\left(t\right) \end{array}\right),\]assim, cada ponto da trajetória está relacionado a um parâmetro \(t\) através de um conjunto de equações paramétricas. Por exemplo, uma reta no eixo \(\mathbf{e}_1\) é descrita pela equação \(x=a+bt\), em que \(a\) e \(b\) são constantes. Os conceitos de curva e trajetória estão relacionados, mas não são iguais. A curva possui uma orientação definida, enquanto a trajetória não: uma partícula que vai de um ponto \(A\) para um ponto \(B\) sobre uma trajetória percorre o mesmo conjunto de pontos que uma partícula que vai de \(B\)\(A\) pelo mesmo caminho. Assim, as trajetórias são iguais. Contudo, ambos os movimentos são descritos por curvas diferentes.

O tempo

O intervalo \(I=\left[t_0,t\right]\) é um conjunto varrido por um parâmetro contínuo \(t\) que, no geral, é arbitrário. A parametrização mais utilizada para uma curva é seu próprio comprimento, definido a partir da métrica euclidiana. Contudo, na mecânica classica existe uma parametrização especial, definida pelo seguinte postulado:
Postulado 4: O tempo é o parâmetro das curvas que determinam a trajetória das partículas e é definido pelo observador através de relógios. Possui as seguintes propriedades:
Assim, a mecânica clássica define um parâmetro "quase absoluto", definido por cada observador através de seu próprio relógio. Um relógio, neste caso, é um sistema físico oscilatório, que permite que o observador relacione um número real sempre que o relógio retorne a uma configuração de referência.
Ao postular que o tempo é homegêneo, estamos dando ao parâmetro \(t\) a mesma liberdade que damos a um ponto do espaço euclidiano, o da escolha arbitrária da origem. Assim, o tempo inicial \(t_0\) de uma curva é arbitrário e pode ser livremente escolhido por um observador. Portanto, dois observadores não precisam concordar com a origem do tempo, o que torna o tempo um conceito relativo: não existe tempo absoluto.
Contudo, os intervalos de tempo não são relativos. Por isso dizemos que a parametrização é quase absoluta. A segunda propriedade do postulado 4 nos diz que dois observadores precisam concordar com o intervalo de tempo sobre a curva. Portanto, \(t-t_0\) para \(t\geq t_0\) é invariante por translações na origem do tempo. Neste caso, o espaço do parâmetro temporal é um subespaço euclidiano unidimensional típico: é homogêneo e sua função distância é invariante por translações. O mesmo ocorre, se nos lembrarmos, com as coordenadas de distância em uma reta real.
O parâmetro temporal pertence, portanto, a um espaço homogêneo com métrica invariante. Contudo, há uma diferença com relação a uma coordenada de posição: na primeira propriedade, dissemos também que o tempo deve ser uniformemente crescente. O que isto significa? Se pensarmos bem na questão, isto só pode significar que uma curva tem comprimentos de trajetória iguais para tempos iguais. Do início da curva até seu final, o comprimento só pode crescer e, portanto, o tempo age da mesma forma. Pode apenas ser contado no sentido positivo de \(\mathbb{R}\). Assim, o tempo deve ser proporcional ao comprimento da trajetória.
Há fortes razões empíricas para postularmos que a seta do tempo sempre aponte para frente. Deixarei que essas razões sejam descobertas pelo leitor, em uma tarefa de pesquisa que será definida no curso.

Suavidades das curvas

Uma curva é contínua se a imagem recíproca de um conjunto aberto em \(\mathbb{R}^3\) é um conjunto aberto em \(I\). Intuitivamente, isto significa que pequenas variações no tempo implicam em pequenas variações no ponto da trajetória. Esta condição é fundamental para garantir que as trajetórias de partículas sejam contínuas no sentido intuitivo, ou seja, que ela não possa "aparecer" e "desaparecer" durante o movimento.
Contudo, continuidade não é suficiente. É necessário que as primeiras e segundas derivadas das curvas existam e sejam, também, contínuas. Isto é o que se definide como diferenciabilidade, ou suavidade. Se a primeira derivada da trajetória existe e é contínua, dizemos que a curva é de classe \(C^1\). Se a segunda derivada existe e é contínua, a curva é de classe \(C^2\). Uma curva suave, ou infinitamente diferenciável é o ideal para representar o movimento de uma partícula, ou seja, uma curva de classe \(C^\infty\). Contudo, para a mecânica clássica, é suficiente que as curvas sejam de classe \(C^2\). A razão será explicada mais adiante, em razão dos postulados dinâmicos.

Velocidade

A primeira derivada de uma curva é a velocidade. Assim, vamos tomar uma trajetória genérica \(\mathbf{x}=\mathbf{x}(t)\), ou seja, descrita pelo conjunto de equações\[\begin{align}x_1 = x_1\left(t\right),\\ x_2=x_2\left(t\right),\\ x_3=x_3\left(t\right).\end{align}\]Se a curva for ao menos de classe \(C^1\), existem as primeiras derivadas\[\begin{align}\frac{dx_1}{dt} = \frac{d}{dt}x_1\left(t\right),\\ \frac{dx_2}{dt}=\frac{d}{dt}x_2\left(t\right),\\ \frac{dx_3}{dt}=\frac{d}{dt}x_3\left(t\right),\end{align}\]que definem as velocidades nas direções \(\mathbf{e}_1\)\(\mathbf{e}_2\)\(\mathbf{e}_3\). Portanto, uma curva suave nos permite definir a velocidade de uma partícula sobre a trajetória:\[\mathbf{v}\equiv \frac{d\mathbf{x}}{dt}\equiv \dot{\mathbf{x}},\]em que o ponto acima do vetor posição indica derivada temporal. Assim, a velocidade é o vetor que é a derivada temporal da posição.
Como o tempo é monotonicamente crescente, isto significa que há uma relação linear do tempo com o comprimento da curva. Se denominarmos o comprimento da curva como \(s\) e impusermos a condição inicial \(t_0=0\) para \(s=s_0=0\), temos que \(s=ut\), em que \(u\) é uma constante. Assim,\[\mathbf{v}=\frac{d\mathbf{x}}{dt}=\frac{d\mathbf{x}}{ds}\frac{ds}{dt}=u\frac{d\mathbf{x}}{ds}.\]Por outro lado, o vetor \(d\mathbf{x}/ds\) é um vetor tangente à trajetória (lembrem-se de Cálculo C). Podemos definir um vetor tangente unitário através da relação\[\hat{T}\equiv \frac{d\mathbf{x}/ds}{\left|d\mathbf{x}/ds\right|},\]assim,\[\label{velocidade}\mathbf{v}=u\left|\frac{d\mathbf{x}}{ds}\right|\hat{T}\equiv v\hat{T},\]em que, claro, \(v\) é o módulo da velocidade da partícula. Portanto, a velocidade é sempre tangente à trajetória.

Aceleração

Caso a curva seja de classe \(C^2\), a trajetória possui segunda derivada contínua. Isto nos permite introduzir a aceleração:\[\mathbf{a}\equiv \frac{d^2\mathbf{x}}{dt^2}\equiv \ddot{\mathbf{x}},\]que tem a seguinte relação com a velocidade:\[\mathbf{a}=\frac{d\mathbf{v}}{dt}=\dot{\mathbf{v}}.\]Portanto, a aceleração é a derivada primeira da velocidade e a segunda derivada da posição.
Agora, tomemos a relação (\ref{velocidade}). A derivada desta relação implica em\[\label{aceleracao}\dot{\mathbf{v}}= \dot{v}\hat{T}+v\frac{d\hat{T}}{dt}.\]No primeiro termo, temos a aceleração tangencial da partícula:\[\mathbf{a}_T\equiv \dot{v}\hat{T},\]cuja norma é a derivada do módulo da velocidade. No segundo termo, temos a aceleração centrípeta\[\mathbf{a}_C\equiv v\frac{d\hat{T}}{dt},\]que pode ser escrita por\[\mathbf{a}_C\equiv v\frac{d\hat{T}}{ds}\frac{ds}{dt}= vu\frac{d\hat{T}}{ds}.\]Por outro lado, o vetor unitário definido por\[\hat{N}\equiv \frac{d\hat{T}/ds}{\left|d\hat{T}/ ds\right|}\]