Ronaldo Baltar

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De tempos em tempos, circula pela Internet a estória motivacional dos “cinco macacos”. E sempre resulta em muitos comentários positivos. Neste início de ano, não foi diferente. Várias postagens, em diferentes redes, lembraram a estória que estimula as pessoas a pensarem diferente do senso comum. Uma espécie de convite ao pensamento crítico.Resumidamente, para quem nunca recebeu um post ou e-mail com essa narrativa, a estória se inicia com o relato de um experimento científico. Um grupo de pesquisadores pendurou um cacho de bananas no teto de uma jaula com uma escada embaixo. Na jaula havia cinco macacos. Quando um dos macacos, após algum tempo observando a situação, subiu na escada para pegar as bananas, todos receberam um jato d’água fria. Passado algum tempo, outro macaco tenta subir na escada e todos novamente são alvo do jato de d’água. Logo, quando um dos macacos demonstra a intenção em subir a escada, os demais o impedem. O experimento segue, um dos macacos é trocado e não há mais jato d’água. Quando o novato tenta subir na escada para pegar as bananas, os quatro que presenciaram a situação anterior o impedem. O novato tenta e novamente é impedido. Os macacos são trocados um a um, e a cena se repete.Ao final do experimento, mesmo sem ter presenciado a situação desagradável inicial, os macacos não tentam mais subir na escada para pegar a banana.Com essa ilustração, o texto quer instigar as pessoas a serem críticas, proativas e inovadoras. A mensagem é: ao continuar a fazer as coisas do jeito que todos fazem você pode estar perdendo oportunidades que só conhecerá se se arriscar.Desde que lançada, a estória tornou-se viral. Apareceu inicialmente em 2011, no blog do escritor Michael Michalko, autor de vários bons textos motivacionais sobre criatividade nos negócios, entre os quais: “Creative Thinkering: putting your imagination to work”.O autor convida o leitor a ter uma visão crítica de si mesmo: será que você não é como um macaco do experimento, aquele que reproduz o mesmo jeito de fazer as coisas sem saber o motivo?Você já se sentiu repreendido pelo grupo quando tentou fazer algo diferente? Provavelmente a grande maioria dos leitores dirá sim a estas perguntas embutidas no texto. Talvez isso explique o sucesso que essa estória faz.Desde que recebi pela primeira essa mensagem (e já foram inúmeras!), chamou-me a atenção a ampla aceitação positiva dessa narrativa. Parece demonstrar que muitas pessoas não querem parecer conformadas e buscam ter um pensamento crítico em relação ao senso comum.Uma postura proativa e inovadora, requer de fato um pensamento crítico e criativo. E pensamento crítico significa rever conceitos pré-estabelecidos.Mas a inovação se faz a partir do acúmulo de conhecimento, não da negação da experiência adquirida como indiretamente sugere a estória dos cinco macacos. Além disso, a inovação depende da capacidade das instituições na criação de um ambiente inovador.A estória dos cinco macacos enfatiza que quem tolhe as iniciativas são os iguais, os colegas de trabalho. Mas na verdade, são as instituições, não os indivíduos, que criam um ambiente favorável ou inibidor da crítica e da diversidade de ideias.Sabe-se que o ponto de partida do pensamento crítico está na problematização da realidade por meio de informações e conhecimento sobre a realidade. O próximo passo consiste em separar, organizar, classificar, hierarquizar os fatos conhecidos. Com base em análise e método, faz-se a proposição de alternativas mais adequadas para o problema inicial. Daí surge a verdadeira inovação.A criatividade que retira soluções do nada é magia. A criatividade que formula soluções a partir da análise da experiência acumulada, está sim gera conhecimento e tem impacto inovador.A narrativa dos cinco macacos induz o leitor a crer que se está diante de uma experiência científica verdadeira. O curioso é que o adjetivo científico deveria significar exatamente o oposto. Um conhecimento científico é aquele obtido por um método demonstrável e passível de ser questionado. Mas é tratado erroneamente como uma afirmação de verdade inquestionável.A “experiência científica” que deu origem à estória dos cinco macacos não existiu. É uma narrativa ficcional criada por Michalko. Supõem-se que tenha sido inspirada pelo experimento (este sim real) do Prof. Gordon Stephenson, do Departamento de Zoologia da Universidade de Wisconsin, publicado em 1966, no artigo: Cultural Acquisition of a Specific Learned Response among Rhesus Monkeys .No artigo do Prof. Stephenson, pares de macacos Rhesus são usados para testar se há transmissão de conhecimento entre essa espécie. Não são cinco macacos, não há banana pendurada no teto, não há jato d’água fria.A pergunta da pesquisa do Professor de Zoologia de Wisconsin era bem mais objetiva: há transmissão de comportamento adquirido entre os animais?No experimento real, os pares eram compostos por um animal condicionado a evitar um alimento (com jatos de ar, não água) e outro não condicionado. Stephenson queria saber se o animal condicionado (ele chamava de “demonstrador”) transmitiria o seu “conhecimento” para aquele não condicionado (que ele denominava de “ingênuo”).Quem ler o artigo do Prof. Gordon Stephenson verá que a conclusão do estudo é bem diferente da conclusão do texto sobre os cinco macacos. Na pesquisa real, em alguns pares, o macaco ingênuo copiou o comportamento do macaco condicionado (como reproduzido na estória dos cinco macacos). Em outros pares não. Houve pares em que se deu o contrário, o animal “ingênuo” acabou influenciando o macaco demonstrador, que passou por cima do seu condicionamento inicial e comeu o alimento (o oposto da estória dos cinco macacos). A narrativa dos cinco macacos não tem relação alguma com a realidade.Na ficção dos cinco macacos, o novato é impedido pelos outros de se aproximar da escada, pois os veteranos sabem, por experiência o que receiam: o jato d’água fria. O macaco novato ignora o alerta e é repreendido pelos demais. O macaco novato se conforma. O leitor se identifica com o macaco novato e lamenta todas as vezes que teve uma iniciativa e foi tolhido. Diante de uma situação análoga, o leitor é incentivado a não se conformar com os veteranos e ir adiante atrás da sua banana.A intenção aqui não é fazer uma crítica ao texto de Michalko, muito menos ao trabalho acadêmico do Prof. Gordon Stephnson. O objetivo é analisar a forma como a mensagem dos cinco macacos é interpretada, apontando exclusivamente a superação individual como caminho para inovação.Para tanto, vamos ver esse experimento imaginativo por outro ângulo. Note que apenas os observadores (os pesquisadores na estória fictícia) sabem que não há mais jato d’água. Os macacos não sabem se haverá ou não jato d’água fria e estão confinados em uma jaula, não têm por onde sair. Logo, para os cinco macacos, a água fria continua a ser uma possibilidade concreta. O risco é real. Quem impõe o risco e incentiva o comportamento não criativo são os empreendedores do experimento, no caso, os cientistas imaginários.A narrativa humaniza os possíveis comportamentos dos cinco macacos. Seguindo essa mesma linha, vamos supor que o novato, ao entrar na jaula, não fosse informado pelos demais sobre o perigo de se aproximar das bananas. Os veteranos sabiam, mas não disseram nada. Seria essa uma atitude racional para o grupo? Certamente, não. Os macacos fictícios, ao socializarem sua experiência, minimizaram o risco existente, representado pelos gestores do experimento que continuavam com a mangueira a postos. Ou seja, para eles, compartilhar a informação era uma forma de minimizar o risco a que todos estavam submetidos.Ao final do experimento, nenhum dos cinco macacos tinha visto de fato o jato d’água. Mas, mesmo assim, por que teriam motivos para desconfiar da informação repassada a eles? Os primeiros macacos de fato receberam a carga desagradável de água fria. Essa era a única informação concreta disponível.Você, se estivesse lá, arriscaria subir a escada, descartando a experiência dos seus companheiros? Se um macaco novato tentasse subir a escada, o que você faria? Incentivaria o novato ou tentaria dissuadi-lo, sabendo que as consequências do ato dele recaria sobre todos?A estória é muito usada para motivar pessoas. O foco recai exclusivamente sobre o comportamento do indivíduo. Mas, na realidade, o problema maior está nas próprias instituições: a jaula, o jato d’água controlado pelos os observadores de fora.Apostar que um indivíduo possa ir contra o senso comum de uma empresa ou instituição não preparada para mudanças é ingênuo.Talvez, os macacos da estória não fossem tão conformados assim. Simplesmente, não confiavam que os gestores de fora da jaula (as instituições) não iriam jogar-lhes água fria. Você confiaria?A estória dos cinco macacos é apenas uma versão pseudocientífica dos velhos adágios “gato escaldado tem medo de água fria” e "macaco velho não põe a mão em cumbuca".Desprezar a experiência acumulada é um erro grave. O pensamento crítico não significa apenas olhar para o lado oposto e fazer o que outros não fazem. Quem aponta defeitos pode ser um crítico no sentido corriqueiro da palavra, mas não significa necessariamente ser uma pessoa com pensamento crítico voltado à inovação. Até porque, nem todos que identificam um problema corretamente, têm uma solução correta para o mesmo problema. Por isso, inovar requer um pensamento crítico coletivo, cujo ponto de partida está na experiência concreta acumulada pelo grupo.O desafio é ir além do conformismo sem cair na ingenuidade voluntarista. A solução está em usar a experiência e o conhecimento da situação, incluindo erros e acertos, como a base sobre a qual se deverá erguer o olhar em busca de novas soluções, bem além do alcance do senso comum. Este é o pensamento crítico inovador.Mas, não basta apenas a motivação pessoal. É necessário que haja liberdade para o pensamento e para a crítica. E essa situação só ocorre em ambientes institucionais que garantem as condições para a livre reflexão sobre a experiência comum adquirida, sem mangueiras reais ou imaginárias apontando para todos.A motivação individual é a base, mas a inovação não é produto da ação individual isolada. Resulta de um ambiente favorável comum. Por isso, é papel das instituições criar as condições coletivas para a inovação e a criatividade, começando por compartilhar experiências, dar confiança e garantir que o pensamento novo, a diversidade de ideias e de opiniões não serão tratados com água fria.